quarta-feira, 18 de maio de 2011

O que há de errado com a história de Morro do Chapéu.

Quase tudo o que se diz sobre a história de Morro do Chapéu está errado. Para começar diz-se que um rei chamado D. José fez uma doação das terras ao Conde da Ponte que incluía Morro do Chapéu. Acontece que nunca houve em Portugal um rei chamado D. José e nenhum dos Condes da Ponte jamais receberam doação de terras de algum rei português.
Conde da Ponte; quem seria esse fidalgo? Ocorre que não foi só um, mas dois condes da Ponte que foram proprietários das terras que abrangiam desde Jacobina até Ouro Preto em Minas Gerais. Era tanta terra que poderia ser comparada com a área toda da Espanha. E essa gigantesca área de terras vinha desde o tempo de Antonio Guedes de Brito que a conseguiu através de doações, compras e simples posse. Ele era considerado o segundo maior proprietário privado de terras no Brasil, quiçá do mundo. O primeiro era Francisco Dias D´Ávilla que era proprietário das terras que ia desde Jacobina até o Maranhão.
Havia dois condes da Ponte, o VI de nome João de Saldanha da Gama Mello Torres Guedes de Brito e o VII, D. Manuel de Saldanha da Gama Mello Torres Guedes de Brito. Apesar do sobrenome, nenhum dos dois tinha qualquer parentesco com Antonio Guedes de Brito. Então cabe a pergunta: se eles tinham o mesmo sobrenome e herdaram as terras que pertenciam a Antonio Guedes de Brito, como não tinham parentesco?
Tudo começou quando ainda em vida, Antonio Guedes de Brito deixou um testamento onde exigia que aqueles que herdassem suas terras teriam de adotar o sobrenome Guedes de Brito. Esse testamento com essa exigência dava-se o nome de morgado. O morgado estabelece que o filho primogênito é quem seria o herdeiro dos bens do falecido. Na falta de um filho, herdaria as terras o consorte de algum herdeiro: (filha (o), neta (o), bisneta (o), e assim sucessivamente. Foi isso que aconteceu quando Joana da Silva Caldeira Pimentel Guedes de Brito, neta de Antonio Guedes de Brito, faleceu sem que houvesse filhos, encerrando a linhagem dos Guedes de Brito. Seu marido, D. Manuel de Saldanha da Gama, um fidalgo da Casa da Ponte (não era conde) adotou o sobrenome como exigia o morgado, e tomou posse dos bens da falecida esposa. Passou a se chamar D. Manuel de Saldanha da Gama Guedes de Brito Mello e Torres. Logo após, D. Manuel mudou-se para Portugal deixando em Salvador um procurador para administrar seus bens. Na terra natal, casou-se com uma fidalga dentro de sua linhagem. Seu filho primogênito era D. João de Saldanha da Gama Mello e Torres, que recebeu o título de VI Conde da Ponte assim que atingiu a maioridade. D. João veio para a Bahia, nomeado que fora administrador da província, cargo equivalente hoje ao de governador. Foi o VI Conde da Ponte quem recebeu a esquadra que trazia a rainha Maria, mãe do futuro D. João VI, rei de Portugal.
Para tomar posse dos bens herdados de seu pai, D. João de Saldanha da Gama Melo e Torres, teve de adotar o sobrenome Guedes de Brito, como estabelecia o testamento de Antonio Guedes de Brito. E começou a vender as propriedades, vez que administrá-las era muito complexo. Em nossa região a primeira área que vendeu foi toda a região de Irecê, adquiridas por três morrenses por um conto e quinhentos mil réis. Dentre os compradores havia um capitão do mato residente no Tareco: Felipe Alves Ferreira. A área comprada abrangia os municípios de América Dourada, João Dourado, lapão, Ibititá, Irecê, São Gabriel, Presidente Dutra, Uibaí e Central, indo até as margens do Rio Verde. Trinta e um anos depois, os herdeiros de Felipe Alves e os outros compradores, venderam a área toda, excluindo os povoados de São Rafael e o Tareco, a João José da Silva Dourado pelo mesmo preço de compra feito pelos seus pais.
Quanto a Morro do Chapéu, considerava-se à época que era terra devoluta. Os moradores foram tomando posse como se fossem seus proprietários. Alguns chegaram até a fazer recibo de posse (não havia ainda Cartório de Registro de Imóveis). Foi assim que Antonio Ferreira dos Santos, considerando-se dono da área, vez que conseguira um recibo de posse, doou uma área para a construção da igreja católica de Morro do Chapéu. Ocorre que essa doação não tinha validade, vez que o verdadeiro proprietário das terras de Morro do Chapéu era D. Manuel de Saldanha da Gama Mello Torres Guedes de Brito, VII Conde da Ponte, filho primogênito do VI Conde da Ponte. Morro do Chapéu já era um arraial bem desenvolvido tendo passado a Freguesia e seus moradores estavam ameaçados de expulsão, caso não efetivassem a compra de seu pequeno pedaço de chão. Para resolver a questão, o vigário Francisco Gomes de Araujo, juntamente com sua irmã Ana Umbelina de Araujo, compraram toda a área que depois englobaria a cidade de Morro do Chapéu, por quinhentos mil réis ao VII Conde da Ponte através de seu procurador, fazendo depois a doação de tudo aos atuais e futuros moradores da Frequesia. O padre estabeleceu que quem faria a doação das terras seria o Administrador da igreja Manoel Joaquim da Silva Miranda e o juiz de Paz, Manoel Barbara de Souza. E disse mais em sua escritura de doação; ao ser elevada a categoria de Vila (municipio) a Freguesia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu,  a Câmara Municipal seria a responsável pela doação das terras. Essa situação perdurou até os nossos dias, só que atualmente a Prefeitura Municipal é quem tomou para si o encargo de fazer as doações. Se é que ainda existe alguma terra para ser doada.
Em 1850 promulgou-se uma nova Lei de Terras, extinguindo os morgados. O VII Conde da Ponte perdeu a posse sobre as terras de Morro do Chapéu. O que ainda não tinha sido vendido passou a ser terra devoluta. E essa terra devoluta estava de posse de quem soubesse a condição da mesma.
O fato é que toda a área que engloba a cidade de Morro do Chapéu pertenceu a Igreja Católica local. É difícil imaginar que desde 1838, data da aquisição das terras pelo padre Francisco Gomes de Araújo e sua irmã, todos os responsáveis pelas doações (Administradores da Igreja, Juízes de Paz , Conselheiros da Câmara, intendentes e prefeitos) tenham usado de absoluta honestidade nas doações efetuadas. Qualquer um deles poderia tomar a área que quisesse bastando fazer uma certidão de doação ou simplesmente registrá-la sem nenhuma burocracia. É por isso que as terras de Morro do Chapéu geraram e geram tanta discórdia.